Estreantes fazem bonito no Sertões 30 anos
Estrear no Sertões BRB na edição histórica dos 30 anos, com mais de sete mil quilômetros de percurso, do Paraná ao Pará poderia soar como uma grande loucura, considerando que o desafio foi extremo mesmo para competidores de grande experiência nos ralis cross-country de longa duração. Pois uma saudável dose de loucura ajudou a levar adiante quem encarou o maior rally das Américas pela primeira vez justamente no ano em que ele também foi o maior do mundo. E não se intimidou diante das 14 etapas para se descobrir gigante por natureza.
O catarinense Julio Cesar Bonotto jamais havia participado de uma prova de velocidade, tampouco competido com um UTV. Acostumado aos ralis de regularidade, aceitou o convite feito por amigos, alguns deles experientes no Sertões como o alemão radicado em São Bento do Sul Sven Fischer. Ele se transformou em um dos integrantes da equipe SBS Mepel (a sigla é a da cidade), que, com a presença dos familiares, transformou a experiência em uma grande diversão – e olha que houve problemas com veículos de apoio pelo caminho. Nada que diminuísse a empolgação.
Ao lado do navegador Bruno Tesser, Julio admite que teve dificuldades nos primeiros dias com aspectos típicos dos ralis cross-country, como a presença do Stella (sistema de navegação usado também para alertar o competidor da aproximação de um rival mais rápido, em condição de ultrapassagem). Com o andar da prova, não só começaram a se sentir à vontade com o novo universo, como se viram brigando pela vitória na categoria UTV3 (UTVs de menor preparação). Mesmo com alguns contratempos mecânicos. Que por pouco não fizeram o sonho, literalmente, ‘morrer na praia’.
A quebra do motor no fim da última etapa, de Paragominas a Salinópolis, podia marcar o fim da linha. Começou aí uma das histórias que apenas o Sertões proporciona. O reboque salvador para chegar à rampa final veio justamente de Pamela Bozzano, que brigava com Julio e Bruno pela vitória na UTV3. Graças a isso o UTV #281 completou a especial e assegurou o vice, atrás apenas de outra dupla estreante: Pamela e Enio Bozzano.
“Na primeira vez em que acionaram o Stella para nós entramos em pânico. Vimos como funcionava no briefing, mas na prática era outra coisa. Ficamos pensando o que fazer para dar passagem. Agora estamos mais que acostumados a ele. Não foi a única coisa que aprendemos em todos esses dias. Foi muito prazeroso, a melhor sensação do mundo domar, de cara, o maior rali do mundo”, disse o piloto.
TR4
Na mesma equipe estavam os irmãos Gabriel e Vítor Hugo Boff. Os gaúchos de Estação (RS) começaram no rally de velocidade, se enveredaram pelo cross-country e resolveram disputar o Sertões com o menor modelo entre os carros: um valente e veterano Mitsubishi Pajero TR4. Contraste total com a Toyota Hilux DKR T1+ vitoriosa na geral com Lucas Moraes e Kaíque Bentivoglio, máquina de milhões de euros.
Seria necessário acelerar com cuidado redobrado para suportar as duas semanas de exigência do equipamento em meio à areia, pedras, erosões e todo o tipo de ‘desaforo’. O que os Boff cumpriram à risca. Tanto assim que tiveram poucos problemas pelo caminho. O câmbio foi trocado em Imperatriz quase como precaução. E a primeira participação valeu um terceiro lugar na Production T2, com direito à impressionante 11ª posição na geral.
Da UTI à poeira
Também houve quem quisesse acelerar pela primeira vez no Sertões como uma celebração à vida. O paulista Nelson Gonçalves chegou a ser internado ano passado numa UTI com um quadro grave de Covid-19. Felizmente se recuperou e resolveu se inscrever para realizar um sonho até então adormecido. Se cada vez mais é preciso viver o agora, foi o que ele fez, no comando de uma Honda CRF 450X. Cada etapa superada despertou a vontade de mais, e assim ele chegou a Salinópolis. Com as lágrimas mais que justificadas ao receber sua medalha.

“Eu já andei bastante de moto na vida, e fazer o Sertões era um marco, uma meta. Ano passado eu tive esse problema de saúde, mas quando saí do hospital pensei que a gente tem que ter propósito na vida, e o meu agora foi o Sertões. Eu suei frio na primeira largada quando imaginei que ainda teria outros 13 dias assim, ficava em dúvida se aguentaria 500 quilômetros na moto a cada etapa. Mas aguentei. Nessa hora a energia veio da família; de Deus, da minha vontade”.
Siga o Racemotor no: